terça-feira, 20 de julho de 2010

"Sou vento: dissolvendo-me tão suavemente por dentro, por
fora, por entre, por todas as brechas, me consistindo, insistindo na
doçura-limite da terra. Terra. Enterro meus dedos em seu ventre, me
entranhando. Aterro. Aterrizo em mim. Pouso e mergulho. O verde
cheiro soterra minhas narinas, me esverdejando enquanto vou
devolvendo ao ar a mistura do verde com as entranhas vermelhas do
centro. O vento acaricia a face, fazendo cócegas por entre os
espaços, os vácuos de mim, me dando contornos. A folha-secacortante
recorta um pedaço do dorso, talhando um ser que segue e
desliza e adentra as folhagens, o barro, as flores secas e vai para o
ar, bailar com os átomos, driblar moléculas, saltitar partículas, tocar
a plenitude e ser cortada por uma rajada de vento, levando um sopro.
E o corpo-de-menima-mulher-estátua-sereia, sua pele branca e
brilhante convidando a dançar. Persigo sua silhueta que sempre me
escapa, sigo um fio deixado por seu rastro. Busco brechas em sua
espessa pele para um encaixe. Nos enlaçamos e soltamos. Um
contato que desliza, quase toca e se esvai para buscar outro
percurso. E a menina-mulher-estatua-sereia me deixa traçados
luminosos que traduzo em movimentos: cato os traços, traço um
risco, sopro uma névoa lançada ao vento. Deslizo, deslizamos, lisas,
leves, solúveis. Dançamos: suavesnuvenssoltasnoar..."

Ruth Ribeiro

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